quarta-feira, 31 de julho de 2013

Hímen

Apesar de virgem, Viviane Tabalipo pensava como uma prostituta experiente. Com plena consciência de sua beleza, usava-a para conseguir tudo o que queria. Tinha um currículo de corações devastados tão longo, que certos homens a consideravam uma espécie de serial killer sentimental.



Se tivesse nascido na Grécia antiga, ela seria uma musa cruel: obrigaria os poetas a arrancarem os próprios olhos a fim de eternizá-la, sem nunca macular à imaginação com a imagem de outra mulher.
Admirou-se no espelho. Tinha cabelos negros e lustrosos, fios de ônix polido. Os olhos azuis sarapintados de verde eram oceanos ao redor da íris.
Ela sorriu, revelando dentes tão perfeitos quanto um colar de pérolas.
Nada mal para uma menina que saiu da favela. Pensou.
Viviane deleitava-se com a fama repentina, graças a uma participação polêmica num Reality show. Aos vinte e quatro anos, vivendo em um país onde a sensualidade era alardeada pela mídia, sentia-se um tanto orgulhosa de permanecer virgem. Claro, jamais foi beata, mas mantinha a integridade de seu hímen com a intocabilidade de uma santa.
Sua castidade não tinha absolutamente nada a ver com pureza ou com tedioso clichê de “esperar o homem certo”. Declarou sua virgindade em público com um único e malicioso objetivo: Se tornar uma celebridade instantânea.
Após um ensaio sensual no paparazzo, e posar nua na Playboy, vieram as participações em programas humorísticos, repletos de piadas deprimentes feitas por comediantes em fim de carreira. Recebeu muitos convites para ser anfitriã em bailes Funk e festas universitárias, todavia, a trajetória meteórica sofria um declínio. Sabia que seus atributos não seriam suficientes para sustentar a atenção dos holofotes, pois nascera com o talento dramático de um semáforo e a sagacidade de um poste.
Conseguia viver bem com a própria futilidade, entretanto, precisava recorrer a novas estratégias ou não cairia no esquecimento.
Foi quando resolveu leiloar a virgindade na internet.
A notícia incendiou a imprensa: não demorou a receber uma chuva de propostas.
Neste exato momento, estava no banheiro do homem que lhe arrematara o cabaço. O sujeito, um milionário, já transferira metade da quantia para a conta. Não sabia absolutamente nada sobre o homem. Certamente, um figurão que queria manter à reputação em sigilo. O advogado dele especificara uma condição inegociável: o encontro deveria ocorrer na noite de 25 de março.
Viviane ainda não tinha visto seu anfitrião. Foi recepcionada por um empregado que se limitou a dizer: “o patrão a receberá dentro de alguns minutos”.
Aproveitava os últimos instantes retocando para à maquiagem. Clamava ao destino que não fosse um velho calvo e barrigudo.
Ela saiu do toalete e foi conduzida pelo criado a uma cobertura toda espelhada, com uma visão impressionante da Baía de Guanabara. O Cristo redentor abraçava uma constelação de lâmpadas acesas nos lares.
Sentado, com um cálice de vinho nas mãos, o milionário a esperava. Havia um jantar à luz de velas do tipo que só via em filmes.
Nem em seus sonhos Viviana imaginou tudo isso. Se Eros, o deus do amor, encarnasse em um avatar terreno, aquela seria sua aparência. Era como se o criador tivesse forjado uma quimera com as melhores partes dos astros hollywoodianos.
 Respirou fundo, ajeitando os cabelos.
O homem vestia um robe que delineava a musculatura atlética. O olhar irradiava a tonalidade de um copo de uísque contra a luz da lareira.
Depois um jantar surpreendentemente romântico, Viviane deixou-se ser dominada em toda a devassidão que aquelas janelas da alma poderiam significar.
                                                            * * *

Uma noite inesquecível.  Ele deixou Viviane dormindo e pegou uma faca na cozinha.
Retornou ao quarto, tocou os cabelos dela carinhosamente…
… E deu-lhe uma punhalada na garganta.
A lâmina envergou-se como papel, sem danificar a carne macia.
O homem sorriu. Viviane nem sentiu o golpe. Durante os próximos meses, nada nesse planeta seria capaz de ferí-la.
Finalmente estava consumado.
Ele sentou-se, pegou uma caneta, e escreveu um bilhete para Viviane. Conforme a caligrafia elegante surgia no papel, o corpo do homem sofria uma série de metamorfoses:
A pele borbulhava, derretendo como vela quente, e escurecia, adquirindo a tonalidade do barro sem vida do qual fora criada. Os sedosos cabelos ressecaram, se convertendo em chumaços de capim. Então, como um Golem saído de um conto judaico, o milionário transforou-se numa estátua de barro, desprovida de vida ou propósito. Um receptáculo vazio, onde antes depositara sua essência.
Como se fosse carregado por um mensageiro fantasmagórico, o bilhete deslizou no ar, até repousar ao lado de Viviane. Quando ela acordasse pela manhã, leria as seguintes palavras:
Querida Viviane…
 Em um mundo corrompido pela iniquidade, sua castidade era um bem raro e precioso. Não espero que compreenda as dimensões do que lhe aconteceu tão rapidamente, mas anseio que entenda o motivo específico da data de nosso encontro.
Daqui a exatos nove meses, na noite de Natal, você dará à luz a uma criança muito especial. Essa criança mudará o mundo radicalmente, seja para o bem ou para o mal, pois a ela será confiado um poder incomensurável. Cabe a você, como mãe, educá-la no que é correto e justo, pois se a criança for corrompida, a humanidade viverá uma era de trevas como jamais existiu antes.  

Com carinho, Gabriel.
PS: Por favor, não tente abortá-la, pois será completamente inútil. O Rei Herodes tentou algo parecido, sem sucesso. Independente do que fizer, ela nascerá exatamente como já nascera uma vez, há dois mil anos atrás.

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