terça-feira, 19 de novembro de 2013

A casa do Cemiterio PT1

Bonilha & T.S


1

A casa era linda. Ampla, tinha dois andares e uma piscina.

Mas a sala era a atração principal. O chão descia um degrau no que se formava um quadrado no chão. Dentro desse quadrado estava uma estante aparelhada com um televisor conectado a um potente sistema de som, e dois sofás. O piso de porcelanato branco era coberto por um enorme carpete negro e fora deste quadrado estava o resto da gigantesca sala.
Gustavo adorou. No fundo da casa, uma escada de mármore dava acesso a outras duas menores, que conectavam o piso inferior aos cômodos do andar de cima. Além da sala, três suítes, um closet, uma biblioteca e uma cozinha completavam a oferta anunciada no jornal.
Nos fundos, um quintal com um jardim morto e uma fonte seca e rachada. Bancos com madeiras em estado de apodrecimento completavam o visual.
A casa era antiga, mas de muito boa qualidade.
O velho acomodado em sua cadeira de rodas observava Gustavo com certo ar de ansiedade. Os dedos batucando na mesa de seu escritório na biblioteca demonstravam impaciência e por fim ele respondeu.
-Tem certeza de que é só isso pela casa?
João, com seus 72 anos não estava disposto a correr mais riscos por aquele lugar. Desde que sofrera o acidente há duas semanas ele resolvera anunciar a casa no jornal. Sua esposa morava com suas irmãs e o único filho trabalhava na cidade vizinha.
-O Sr. entendeu bem o que eu disse?  Sofri um grave acidente aqui e creio que não sejam frutos de minha imaginação. O padre Arthur confirmou que o que eu vejo aqui não é coisa da minha cabeça. É real, portanto estou deixando isso claro para qualquer um que veio aqui querendo comprar a casa.
Gustavo quis rir mas não o fez. Ao invés disso contemplou o velho com pouco mais de 20 anos que os dele e estendeu a mão.
-Tenho certeza de que não acontecerá nada comigo.
O padre olhou para ele com certo ar de observação e proferiu a frase que João estava por dizer:
-Tem certeza?
-Absoluta. Já vivi algumas coisas desagradáveis na minha vida. Minha mãe morreu atropelada por um caminhão, meu pai foi assassinado, eu fui assaltado…
Ele quis completar seu raciocínio mas achou melhor parar por aí. Para Gustavo o verdadeiro terror estava nas coisas reais da vida. Coisas que causam dor, ferem os sentimentos, ferem a bala…
-Ótimo, negócio fechado então.
João apertou com firmeza a mão de Gustavo e em seguida este assinou a papelada da compra.
Gustavo, João e o padre Arthur tomaram um café e circularam um pouco pela propriedade.
-É realmente uma casa e tanto seu João.
-É sim, receio que sentirei saudades dela.
-Claro…
O olhar de Gustavo se perdeu por um instante do outro lado da rua. Um cortejo fúnebre seguia cemitério adentro. Algumas pessoas dirigiam o olhar para a casa enquanto outras choravam o infortúnio do falecido.
-Nosso tempo nessa terra é curto, não é mesmo? – indagou o padre.
Os três senhores estavam agora diante do portão da casa. O céu enegrecido testemunhava a chuva que estava por vir. Um temporal certamente prejudicaria sua partida, portanto ele apressou-se em sair dali. Dentro de uma semana Gustavo se mudaria e não teria mais de preocupar-se com isso.  Atento a pergunta do velho padre ele respondeu:

-Uns vivem mais, outros vivem menos… Infelizmente a vida não é eterna.

-Não diria isso se fosse você. Há muito mais para se viver fora deste mundo…

As gotas pesadas do temporal interromperam o assunto de ambos e Gustavo apressou-se em correr para seu carro. Não antes porém de despedir-se de João e Arthur. Este entregou-lhe um papel amassado ao estender a mão.
-Ligue-me se precisar.
Gustavo guardou o bilhete em seu bolso e correu até seu Passat 2008. A casa custara uma pechincha. R$320.000,00 era um preço deveras salgado, mas não para um bem sucedido empresário como ele.

Ao chegar em casa, preparou um banho e dormiu congratulando-se pela conquista. Dentro de uma semana entregaria à esposa, seu grande presente em comemoração ao aniversário de dez anos de casado.




2

- Eu amei a casa, é o melhor presente do mundo! Falou Juliana beijando o marido. A mulher não acreditava que tudo aquilo era verdade.
- Vai demorar um tempo para arrumar, mas logo isso aqui vai estar do jeito que a gente sempre sonhou. Completou Gustavo.
- Sim amor, nova casa, uma nova vida, ainda melhor que tudo que já passamos juntos.

Gustavo sorriu ao ouvir as palavras da esposa, ao comtemplar aquele maravilhoso sorriso. Os dois beijaram-se e continuaram o tour pela nova casa. Depois do tour, veio a limpeza, a organização, para depois de alguns dias agitados, entrar finalmente em uma nova rotina.


3

- Você tem certeza amor? Perguntou Gustavo ainda com sono.
- Sim, tem alguém aqui, eu ouvi passos lá embaixo, alguns barulhos nas paredes. Falou Juliana.
Aquela era a primeira vez que algo do tipo acontecia. Desde que se mudaram para a nova casa, tudo era tranquilo e a estória sobre algum mal sobrenatural pairar sobre a casa, havia caído em esquecimento na mente de Gustavo.
- Tudo bem, fica aqui, eu vou ver. Falou o homem levantando da cama e vestindo seus chinelos.
- Volta logo e deixa a luz do quarto acesa. Disse Juliana.
Gustavo acendeu a luz do quarto e seguiu em direção as escadas que levavam até o primeiro andar.
Atento o homem procurou por algo, mas era obvio que não encontraria nada. A casa era segura, estava bem trancada. O novo sistema de alarme que instalará na semana seguinte que fizera a mudança era de última tecnologia.
Quando chegou na sala ouviu sons do que pareciam passos. Olhou a sua volta e a primeiro objeto que encontrou lhe serviu de arma. Com um vaso de porcelana na mão percorreu a casa ainda nas escuras. Busca em vão pois todos os cômodos estavam vazios. Mas o som que agora ele entedia que não vinha só chão, mas também das paredes, insistia em lhe corroer a paciência e tranquilidade.
Antes de voltar para o quarto, caminhou até uma das janelas que dava para rua, puxou a cortina e contemplou o quintal da entrada. Se assustou ao ver do outro lado da rua, através das grades do portão, um grupo de pessoas paradas em frente ao cemitério. Eram aproximadamente seis. Pareciam um conjunto de estátuas.
- Que porra é essa. Sussurrou o homem tentando ver melhor o que acontecia. Foi nesse momento que um dos sujeitos, um que usava um estranho chapéu, lhe encarou e depois, acenou. Acenou como em resposta a toda à observação de Gustavo. Acenou sorrindo, ou melhor, gargalhando.
Assustado o homem se escondeu. Respirou fundo e tentou colocar a cabeça no lugar. Decidido se preparou para sondar novamente e ao fazer isso, sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Dessa vez não era só seu quintal que estava vazio, mas a frente do cemitério também. Não havia mais ninguém lá, apenas o portão que dava acesso ao mundo dos mortos.
Subiu as escadas com pressa e disse para esposa que tudo estava bem.
- Acho que são ratos, o corretor me disse que não teria esse problema, mas você sabe como é amor, ratos aparecem do nada.
Abraçou Juliana e pegou no sono. Era melhor não pensar mais a respeito daquilo tudo. Mal sabia o homem, que os estranhos acontecimentos estavam só começando e que sua mulher notara como ele havia voltado pálido de seu ronda em busca do estranho barulho.


4

Se Gustavo soubesse de pelo menos vinte por cento das coisas que aconteciam durante a noite naquela que parecia ser a casa dos sonhos, com certeza não teria a comprado. Com o passar dos dias a sensação de estar sendo vigiado, os calafrios e os passos pela casa durante a noite só aumentaram. Juliana também notara, mas tentava com todas as suas forças esconder esses pensamentos do marido. Ambos não queria aceitar a ideia de que aquela casa não era normal, ambos não queriam estragar aquele belo sonho. As pessoas tem medo de aceitar a realidade, pois o real está mais para o pesadelo do que para um sonho bom.
- São ratos, malditos ratos. Falou Gustavo no meio da madrugada.
O casal deitado na cama encarava o teto, já faziam duas noites que não conseguiam dormir. As coisas estavam ficando fora do controle quando a noite chegava e eles tinham medo de que algo ruim pudesse acontecer, algo que os machucasse.
- Cada vez que eu lembro das palavras daquele policial, eu fico com mais medo. As palavras eram as primeiras demonstrações de temor real vindo de Juliana. Aquilo serviu como uma gota d’agua para tudo o que vinha acontecendo.
Gustavo lembrou do acontecimento da noite anterior. Onde ele e Juliana tiveram a certeza de ouvir uma conversa no andar de baixo, logo após irem deitar. Assustados, achando que poderiam ser ladrões, chamaram a polícia, que em vez de os tranquilizar, acabou fazendo com que a vontade de permanecer na nova casa só diminuísse.
Policial Antunes, era o militar que atendeu ao chamado. Chegou e bateu palmas, gritou pelo nome de Gustavo, que se arriscou e cruzou a sala às pressas ao encontro da polícia.
- Tem alguém aqui na casa! Nós estamos sendo assaltados! Falou para o PM.
- Fique calmo, eles não vão roubar nada.
- Eles? Como assim?
- Vamos lá, chame sua esposa, eu preciso conversar com vocês.

Gustavo buscou a esposa e então conversaram com o policial.
- Gustavo e Juliana, certo?
- Sim, mas como…
- O padre me falou seus nomes, explicou a situação. Vocês compraram mesmo a casa?
A conversa parecia ser toda fragmentada.
- Compramos, já faz um mês.
- Então se não quiserem se desfazer da mesma, lhe darei um concelho… Vocês precisam aprender a conviver com eles, de alguma forma essa casa também é deles.
- Deles? Eles? De quem o senhor está falando?
- Dos mortos minha senhora. Os mortos habitam a casa, assim como habitam o cemitério. Sejam pacíficos, mas também nãos os ignorem, vocês não vão querer nenhum deles com raiva de vocês. Seu João viveu por muito tempo em parecia com eles, mas o velho nunca acreditou que tudo era realmente verdade, e assim, acabou virando amigo demais desses espíritos. Esse foi seu erro, com certeza foi.
Muitas vezes o policial parecia conversar com si mesmo.
- Ele me disse que saiu daqui por sofreu um grave acidente. Comentou Gustavo ainda incrédulo.
- Sim, tudo por que da noite para o dia ele passou a ignorá-los, esqueceu que eles também moravam na casa e o relacionamento entre os mesmos se tornou destrutivo. Os mortos já estão mortos, então quem corre risco são os vivos. Foi por isso que João se acidentou, mas graças a Deus ele está longe daqui.
- Mas nós estamos aqui agora! Falou Juliana nervosa. Ao contrário de seu esposo, engolira toda a história. Aceitara como verdade todo aquele relato surreal.
- Eu sei, por isso peço que tomem cuidado, pois não há nada que posso ser feito a respeito. Estarei disposto para conversar sempre que possível, só não entro para falar mais de tudo que sei por que esses ai não gostam muito de mim. De qualquer modo, boa noite e fiquem com Deus.
O casal voltou para dentro da casa, não dormiram.
- O pessoal que vive por aqui é um bando de doidos, a casa seria perfeita se não fosse por esses ratos… Só podem ser ratos, só pode. Falou novamente Gustavo, dessa vez apertando a mão da esposa. Fechou os olhos e tentou dormir, por alguns minutos ficou ouvindo sua respiração e a de Juliana. Em sua cabeça o lembrava daquela que poderia ser sua única prova sobre o sobrenatural, os homens em frente ao cemitério, o sujeito de terno e chapéu que lhe acenou.
Mas e se fossem apenas um grupo de vândalos? Ou trabalhadores noturnos? Era possível, tudo era possível.
Perdeu-se em devaneios, dormiu. Nem percebeu o abraço da esposa, que aos poucos pegou no sono também.
Não sonharam naquela noite, os pesadelos agora só aconteciam enquanto acordados.


CONTINUA…

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